brazilian (2)

[Portuguese] Radiohead e eu

O Radiohead lançou A Moon Shaped Pool no dia 08 de maio e, desde então, não consegui parar de revisitar a obra da banda que gosto muito. Sempre tem aquelas mesmas músicas que eu não canso de ouvir a vida inteira, mas desde In Rainbows que eu não me envolvia, não me identificava com as coisas que eles vinham lançando desde então. O novo álbum serviu para resgatar isso, minha completa admiração pelo som, pela banda em si, pelas letras, por Thom Yorke. Sempre que penso em Thom Yorke, lembro de uma conversa idiota que tive com um ex-namorado, e talvez seja overshare dizer aqui: eu dizia o quando achava a voz dele um tesão, ele respondia que “um tesão é o meu c****** enorme”. Enfim.

De qualquer maneira, a re-audição das coisas antigas despertou meu lado Radiohead-freak de novo. Me vejo respondendo mentalmente às críticas que pipocam nas timelines das redes sociais e me vejo completamente tocada novamente. A Moon Shaped Pool, dizem alguns, pode ser o último álbum do Radiohead. Se for, é uma bela maneira de suspender a produção: o álbum é cativante, é o que o Radiohead sabe fazer de melhor e isso está de bom tamanho. É um álbum que mostra uma banda à vontade, curtindo seu próprio trabalho sem grande estardalhaço. Minha preferida é a faixa 04, “Desert Island Disk”, mas há grandes momentos ali: “Burn The Witch”, “Identikit”, “Decks Dark”, “The Numbers”, “True Love Waits”. O primeiro show da turnê - e o primeiro desde 2012 - foi dia 20 de maio, em Amsterdã, e está disponível para ser assistido na íntegra aqui.

E aí fica a torcida para que um dia eles voltem ao Brasil. Me lembro quando o show foi anunciado, eu estava sem dinheiro para comprar o ingresso na época e (sim) chorei de frustração com a possibilidade de perder. Não perdi. O show aconteceu no dia 20 de março, bem no dia do meu aniversário, e nem estava tão cheio quanto eu esperava. No início fiquei de cara para Jonny Greenwood, mas aos pouquinhos consegui me aproximar de Thom Yorke, o máximo que dava, o máximo que deu. Não tocaram “Lucky”, mas foi lindo. O problema é que minha memória é ruim e eu lembro de poucas coisas. Uma das coisas que eu me lembro é que meu ex-namorado fez biquinho, porque eu queria ver o show e quando eu digo isso, significa que eu estava hipnotizada, olhando para o palco, querendo ver e ouvir as músicas mas o mala queria atenção, queria “curtir comigo”. Não queria respeitar o meu momento. Ele é assim, e como não gostava da banda na época (agora é fã, risos), não entendia que eu não queria curtir nada com ninguém. Era eu e eles ali. Não chegou a estragar, mas está aí a lembrança ruim, contaminando o que era pra ter sido uma noite unicamente boa.

Eu me lembro a primeira vez que ouvi Radiohead. Tinha uns 14 anos, estava deitada no sofá da sala, com as luzes apagadas, ouvindo a Rádio Cidade. E tocou “Creep”. Mexeu alguma coisa dentro doida e logo corri pra conseguir gravar a música em uma fita K7. Depois, comprei OK Computer e The Bends no escuro, nenhum deles tinha “Creep” e eu não tinha me dado ao trabalho de olhar a tracklist. Fiquei chateada, achei estranho, depois descobri que havia um álbum chamado Pablo Honey, que eu nunca tinha ouvido falar e que as pessoas diziam que era ruim. Achei metade das músicas desses discos estranhas, um saco. Mas a outra metade, não. A outra metade falou fundo. Foi “Lucky” e “Street Spirit” e “No Surprises” e “Karma Police” e “High and Dry”, as baladinhas todas, que primeiro me sugaram em direção ao Radiohead. De “Fake Plastic Trees” eu nunca gostei muito.

E daí é de assustar um pouco o quanto o tempo tenha passado rápido. Eu tinha 14, hoje tenho 31. O show foi em 2009, há quase 10 anos. Thom Yorke parece mais envelhecido do que nunca, e tem apenas 47 anos. Provavelmente o divórcio de um relacionamento de 23 anos tenha acabado um pouco com ele, por mais que tudo já tivesse terminado há um tempo. Inclusive os fãs acham que “Daydreaming” e seu vídeo dirigido por Paul Thomas Anderson pode incluir mensagens ocultas sobre a separação: colocaram o clipe de trás pra frente na tentativa de achar pistas. E não é que a maneira como Yorke abre as portas no original se encaixa muito bem com ele fechando no reverso? São 23 portas, afinal. E naquela voz distorcida que ele fala no final, alguns pescaram que, ao contrário, ele pode estar falando “half of my life” ou “I’ve found my love”. Nessa matéria da Flavorwire, eles juntam algumas peças levantadas por fãs para falar sobre como o vídeo parece uma alegoria em que Thom Yorke passeia pelo passado da banda, enquanto reflete sobre sua vida.

“O vídeo de ‘Daydreaming’ acompanha Thom Yorke enquanto ele passa de cenário em cenário através de vários portais, cada um sem conexão com o outro. Enquanto atravessa os espaços, ninguém fala com ele, e nem ele interage com ninguém. Seu caminho e direção mudam constantemente e seu olhar é o de quem procura por alguma coisa. (…) Ele está familiarizado com esses cenários, e está procurando por algo específico. Há momentos em que no rosto de Yorke aparece um meio sorriso aparentemente involuntário. Todos nós já experimentamos isso, o momento em que você revive uma lembrança, e ela te leva a um instante de alegria, apenas para rapidamente desvanecer em seguida. Colocado no contexto de um amor perdido, é de partir do coração.”

E de amor, Yorke parece entender. Em um vídeo de 2013, ele aparece inusitadamente dando (bons) conselhos amorosos a adolescentes ao lado de Nigel Godrich. É interessante que ele fala sobre si mesmo no contexto amoroso, inclusive sobre como sua deficiência física no olho afetou sua autoestima. São 17 minutos absolutamente deliciosos! Aproveitando a indicação de entrevistas com Thom Yorke, a melhor que eu li até agora foi a que ele concedeu por telefone a ninguém menos que Daniel Craig para a Interview Magazine, também em 2013. Craig já começa admitindo que nunca havia entrevistado ninguém, mas acaba se saindo melhor que muito jornalista experiente: como fã de Radiohead e também como um artista acostumado a lidar com o showbiz, entrevistas e afins, o papo entre os dois britânicos é cheio de conteúdo adulto, de política a música, boas piadas, boa empatia e mostra muito como funciona o ponto de vista de ambos. Recomendo fortemente para quem é fã e para quem não é, é uma entrevista realmente muito boa (e longa!).

E daí que revisitando entrevistas, vídeos, shows, músicas e tudo mais, percebo como Thom Yorke parece uma pessoa mais relaxada, mais à vontade consigo mesmo, embora ainda muito sério e sensível. Mas menos altivo. Entendo muito pouco porque as pessoas o chamam de difícil; mas talvez porque eu esteja acostumada a meu cunhado também europeu, que é uma pessoa muito série e muito franca e que não tem a menor paciência para fazer média, socializar e fazer cerimônia. E assim eu vejo o Yorke. Como alguém que não está a fim de jogar o jogo da celebridade e emprestar sua imagem para alimentar essa cultura. E pensando sobre isso, sobre esse aspecto do “não quero fazer parte disso”, eu percebi o quanto me identifico com ele. Sempre fui uma pessoa de transitar bem por todos os grupos, sem fazer parte de nenhum, E, cada vez mais, percebo que não quero fazer parte de nenhuma cena, nenhuma aglomeração - o que, por não ser uma pessoa brilhante como Yorke, me deixa isolada e talvez até atrapalhe profissionalmente em termos de networking. Não tenho paciência para fazer amigos na internet e viver em panelas de Twitter, nem tenho muito interesse em ser amiga das “pessoas de tal grupinho”. Não tem nada a ver com desprezo; admiro muitas dessas pessoas, as acompanho e muitas me influenciam diretamente. De algumas eu me tornei colega ou até amiga e com muito gosto. Não é esse o ponto. O ponto é não querer me fechar dentro de um grupo específico, de ter que me esforçar para fazer parte de algo quando o meu interesse não é fazer parte de algo - é apenas fazer o que eu gosto. Não quero ter que necessariamente ser amiga de alguém para que prestem atenção ou respeitem o que eu faço. Não quero ter que competir com ninguém, também. Não faz sentido. Dessa forma, ter uma referência como Thom Yorke é uma espécie de alívio. A partir de então, secretamente passo a adotar para mim mesma a referência de Yorkiana: é uma bobagem, eu sei, mas acho que diz tudo.

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